Artigo: Lei Geral do Licenciamento Ambiental

26/08/2020 (Atualizado em 26/08/2020 | 15:03)

Continua em discussão na Câmara dos Deputados a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 3729/04). Escrevi sobre o tema, pela primeira vez, em 2017. Naquela época a proposta tramitava com prioridade e vinha sendo analisada nas Comissões, conquistando aprovações importantes, mesmo que sob protesto de ambientalistas e especialistas em meio ambiente. O objetivo, dizem, é garantir segurança jurídica ao empreendedor, a partir de parâmetros gerais definidos para orientar empreendimentos com risco ambiental. 

O texto reafirma a competência dos estados e dos municípios, na elaboração de normas específicas ao licenciamento local (o que é um perigo e pode criar competição) e prevê que a decisão sobre a concessão da licença seja tomada por um colegiado, onde a exigência do estudo de impacto ambiental (EIA) fica condicionada à análise de risco ambiental do empreendimento. Entre as novidades, o que mais preocupa é a intenção de celeridade do processo. Obras de “baixo risco ambiental” ficam dispensadas do EIA, que poderá ser substituído por uma análise ambiental simplificada e autodeclarada, sem a necessidade de passar pelas tradicionais etapas do licenciamento: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO), o chamado licenciamento trifásico. E pasmem...

Pela proposta, que está na sua quarta versão, não estarão sujeitas ao licenciamento a agricultura, a pecuária e nem a silvicultura, seja uma pequena propriedade no Pampa ou um grande latifúndio na Amazônia ou Pantanal, não importa. Estas atividades estarão dispensadas do licenciamento, numa clara anuência às tentativas do setor produtivo, de liberdade irrestrita ao controle ambiental do Estado. Os cuidados ficam por conta da necessidade de atender a legislação ambiental vigente, quanto a supressão da vegetação nativa, uso de agrotóxico, áreas de preservação permanente, reserva legal... Tudo que já é pouco respeitado hoje. E vai além...

Pelo texto, obras de infraestrutura, como reparação, manutenção e melhorias de sistemas viários, como rodovias e ferrovias, teriam a natureza do licenciamento definido por cada ente federado, um outro ponto que merece muita reflexão. Afinal, estradas e rodovias compõem a infraestrutura estratégica de desenvolvimento de qualquer país ou região, mas não se pode negar seu efeito permanente na divisão de fisionomias naturais, de barreiras ao fluxo de espécies, isolamento de habitats, atropelamentos e introdução de exóticas. Um notável prejuízo que não será minimizado por uma lei mais branda ou flexível, mesmo que para novos trechos ou duplicações a exigência do licenciamento seja mantida. 

A preocupação fica por conta da ausência de uma regulamentação mais precisa, o que pode representar perdas do ponto de vista da gestão ambiental com foco no direito comum. E na linha da flexibilidade, os prazos de análise e emissão das licenças e autorizações também serão reduzidos, cabendo decisão final ao órgão ambiental licenciador, mesmo que, os órgãos que defendem os índios, os quilombolas, o patrimônio histórico e o meio ambiente manifestem-se contrários. 

O licenciamento ambiental é o mais importante instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, que tem por função prevenir impactos, evitar tragédias e garantir direitos, em especial das populações expostas ou afetadas pelo empreendimento. Então, não é justo pensar que atividades consolidadas mereçam a isenção do cuidado, imaginando que seus efeitos estão inertes. Isso não é verdade. Por outro lado, o debate em cima das mudanças acaba por esconder a triste realidade da falta de secretarias de meio ambiente na totalidade dos municípios brasileiros, bem com o reduzido investimento do poder público nos aparatos de fiscalização e controle. Enfim, precisamos avançar na modernização do processo, mas com mais prudência.


Professor Marcelo Dutra da Silva
Membro do PSB de Pelotas
Ecólogo – Doutor em Ciências
Instituto de Oceanografia - Universidade Federal do Rio Grande

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