No Brasil, as desigualdades
sociais e econômicas, coincidentes — mas não necessariamente associadas — com
as diferenças ambientais, aparecem num âmbito regional (nordeste/sudeste). E
mesmo que esta distância tenha diminuído, por conta de políticas especiais do
Governo Federal, até então mais efetivas, no ataque a miséria extrema e atender
as classes menos favorecidas, particularmente onde a renda é mais baixa e as
condições de vida mais precárias, a vulnerabilidade se mantém elevada e o
acesso aos recursos muito difícil. Dificuldades que foram severamente
acentuadas pela pandemia que nos atingiu e que serão multiplicadas no
pós-pandemia, onde os milhões de brasileiros, já identificados, a margem da
renda, engrossarão o bolsão de miséria persistente no país.
A pobreza regional, de forma
espacialmente mais restrita — de parcelas do território com pronunciadas
desigualdades —, já eram identificáveis, mesmo que em dimensões variáveis, onde
predomina o fraco desempenho da economia e indesejáveis indicadores de qualidade
de vida, inclusive dentro de Unidades Federativas com elevados índices de
desempenho econômico e atendimento social. É o caso do Vale do Jequitinhonha
(MG), do Vale do Ribeira (SP) e no Rio Grande do Sul (RS), na chamada metade
Sul, que ainda revela uma nítida desvantagem, quando comparada à metade Norte,
diante dos indicadores de prosperidade. Desigualdades que vêm sendo, desde há
muito tempo, motivo de preocupação por parte das forças vivas do território
sul-rio-grandense, que buscam, sem muito sucesso, meios e formas capazes de
diminuir essas diferenças.
Ações e propostas que agora
terão de ser revistos, isto é, para que as diferenças regionais sejam realmente
diminuídas e o desejo de sustentabilidade alcançado, nos seus vários
componentes, os meios propostos devem partir do conhecimento das causas
promotoras dessas diferenças. Portanto, para além do momento de recessão,
imposto pela pandemia, as diferenças regionais de desigualdade devem ser
avaliadas dentro de um contexto integrado, de modo que permitam oferecer
argumentos válidos para explicar tais desigualdades e contribuir no processo
político-administrativo da tomada de decisões, o que inclui as características
do ambiente e a oferta de recursos naturais.
As diferenças ambientais
entre o Norte e o Sul, por exemplo, não são tão sutis e talvez até sejam
determinantes no modelo econômico a ser desenhado ou promovido para cada uma
dessas regiões. Em termos geológicos compreendem diferentes litologias, também
variações no padrão do relevo, que em consequência traduzem tipologias de solos
variadas, que se mostram mais profundos, desenvolvidos e férteis no Norte,
enquanto no Sul mais rasos e restritivos ao uso pleno. De outra parte, a
cobertura vegetal apresenta-se com grande diversidade de fisionomias, afinal o
ambiente físico exerce forte controle sobre as variáveis biológicas do sistema.
Então, enquanto por lá ocorre florestas e campos de altitude, por aqui (no
Sul), ajustada a heterogeneidade física dos terrenos, a diversidade da
cobertura vegetal apresenta formações pioneiras no litoral, florestas e
mosaicos de campos-e-florestas na Serra do Sudeste e campos limpos na Campanha,
o nosso tipo ambiental mais ameaçado e fortemente substituído pelos cultivos de
soja.
Sem dúvida, os recursos
disponíveis no Norte não correspondem ao encontrados no Sul, que numa
perspectiva ecológica de sistemas, não são só diversos, mas também mais
abundantes. E se lá a lógica do cultivo extensivo do solo é uma prática que
prospera, aqui as diversidades de condições dos terrenos impõem uma série de
limitações ao uso intensivo, porém uma enorme coleção de possibilidades, para
outras formas de uso. Na prática, o conjunto de características ambientais
reunidas no Sul traduz o potencial dos nossos terrenos, que vão além do tradicional
cultivo e criação. Temos serviços ambientais disponíveis de outra ordem, alguns
ainda pouco aproveitados, como a hidrovia, que poderia nos colocar no centro
logístico do transporte de carga e mercadorias do país, numa conexão (por
trilhos e por águas) capaz de ligar o litoral de Santos (SP) ao porto de
Montevidéu, no Uruguai. Também, o nosso potencial eólico para a geração de
energia e a nossa forte vocação para a conservação, com extensas áreas de campo
nativo, nas quais podemos estimular a produção de carne ecológica e nas áreas
de cultivo a produção de soja orgânica, ambos valorizados no mercado
internacional estabelecido.
Obviamente, para além das
diferenças impostas pelo ambiente, existem diferenças colocadas pela cultura de
ocupação e uso destes recursos. E dessa forma, a problemática das diferenças
ambientais, das desigualdades sociais e econômicas, bem como das distintas
influências histórico-culturais, que se mostram, nos diversos setores do espaço
gaúcho, deve ser dada a conhecer, nos seus componentes naturais, manufaturados
e culturais, que vistos de forma integrada denuncia o forte relacionamento
existente entre o ambiente e o sucesso econômico de uma região. Então,
precisamos aprender a tirar o melhor proveito possível do potencial econômico
que a nossa região oferece. É um erro permanecer esperando que o
desenvolvimento, simplesmente, nos alcance. Devemos nos mobilizar em nome de um
novo tempo, de um Governo que deve se mostrar mais atento às nossas diferenças
e vocações, para que a metade Sul se transforme no novo destino do
investimento. Olhar para as diferenças e para as potencialidades que temos,
quem sabe, pode ser a saída, frente as dificuldades que já enfrentamos, neste
momento que vai nos exigir novas iniciativas de desenvolvimento econômico.
Professor Marcelo Dutra da Silva
Membro do PSB de Pelotas
Ecólogo – Doutor em Ciências
Instituto de Oceanografia - Universidade Federal do Rio Grande
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