Brasília – O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, defende a formação
de uma frente ampla, reunindo diversos setores da política, economia e
sociedade, para oferecer uma alternativa de poder contra Jair Bolsonaro.
Crítico da atuação do presidente em todos os campos, mas especialmente no
combate à pandemia do coronavírus, Siqueira não tem dúvida que a eventual
reeleição do mandatário pode mergulhar o Brasil no autoritarismo. “Nós estamos
a caminho, em marcha batida, do autoritarismo”, disse em entrevista ao Estadão.
“Não é esquerda versus direita. É autoritarismo versus democracia. Esse é o
problema do brasileiro hoje”, reforça.
A
defesa dessa frente ampla pressupõe, nesse momento, muito mais um engajamento
da sociedade em torno desse propósito do que a escolha de um candidato.
Siqueira acha cedo para definir se o PSB terá candidatura própria ou se
participará de uma aliança em torno de outro nome. Mesmo reconhecendo que a
possibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva ser candidato mexe com o quadro
político, o dirigente do PSB cobra mesmo é a participação da elite política e
econômica nesse movimento contra Bolsonaro. “O que o momento está exigindo é
que as elites política e econômica do País criem juízo. Pensem no projeto para
o País. Um projeto de transição de retorno à democracia. Que dê um mínimo de
estabilidade política, econômica e social ao nosso país. Essa é a questão
central”, cobra.
“Eu
me impressiono que num país, que até outro dia era a décima economia mundial, a
elite não seja capaz de se movimentar para ter um projeto de político que possa
tirar o Brasil dessa vergonha. Porque o Brasil passou a ser uma vergonha
internacional”, critica. “Nós estamos a ponto de ter de ser socorridos pelos
outros países para não nos tornamos uma bomba virótica para o mundo. Por pura
ignorância, negacionismo, irresponsabilidade, desumanidade. E nem assim essa
gente é capaz de se movimentar e perceber que precisa incluir na vida política
do País alguma coisa consistente? Essa elite quer ser representada por Jair
Bolsonaro? Se for assim, é o fim do mundo. A esperança começa a perecer”,
lamenta.
E
Siqueira arremata: “Fernando Collor caiu por muito menos. A elite brasileira se
convenceu que não podia ter um presidente como Collor. E o Bolsonaro foi capaz
de transformar o Collor num estadista. Porque nunca vimos nada igual a
Bolsonaro e espero que as futuras gerações nunca vejam nada semelhante”,
compara.
A
seguir, os principais trechos da entrevista:
Estadão:
Como o senhor viu a decisão do ministro Edson Fachin, do STF, anulando as
condenações do ex-presidente Lula, o que o tornou novamente elegível?
Carlos Siqueira: Essa decisão de anular as condenações do ex-presidente Lula
aconteceu porque, de fato, houve uma politização do Judiciário. Sobretudo na
ação do Sérgio Moro e do Deltan Dallagnol, que fizeram uma condenação se
valendo, inclusive, de um seção da Justiça que não era competente para fazer
isso. Isso é muito grave. Porque ninguém entra aqui no mérito, mas entra na
forma. E a forma, na democracia, é tão importante quanto o conteúdo. Acho que
essa correção foi bem feita. Porque isso atinge o Lula hoje. Amanhã, pode
atingir qualquer cidadão. E o Lula não é qualquer cidadão. É uma grande
liderança. Pode se gostar ou não dele. Mas não se pode negar que é a mais forte
liderança popular do País. Isso é inegável”.
Estadão:
Como isso pode afetar os planos do PSB para a disputa presidencial de 2022?
Carlos Siqueira: O PSB, até esse momento, não tem uma candidatura própria. O
governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, admite essa hipótese (de ser
candidato), mas acha, e concordo com ele, que não se deve entrar nesse assunto
agora. Porque temos assuntos importantes para resolver antes. O primeiro deles
é a luta pela vida, com as vacinas. Irresponsavelmente, o governo do Jair
Bolsonaro, que é um negacionista, deixou de comprar vacinas em tempo hábil e
estamos pagando um preço altíssimo. E não diria que é incompetência, porque
ninguém pode ser tão incompetente dessa forma. É mesmo um negacionismo da
ciência, uma não aceitação do problema. E usou essa ideia de imunidade de
rebanho, quando, na realidade, isso não existe, e a solução seria a vacina.
Podíamos já ter 70 milhões de doses da vacina da Pfizer aqui conosco. Podíamos
ter mais outros milhões da China. Mas, em vez de negociar com eles, ficou ele e
o filho dele falando mal da China e da vacina.
Estadão:
Num cenário nacional tão sensível quanto esse, qual é o impacto da possível
entrada de Lula no jogo de 2022?
Siqueira: Ninguém pode dizer que isso é um acontecimento que não mexe
fortemente com o cenário político eleitoral de 2022. No entanto, acho que ainda
é muito cedo para que o PSB tenha definição em relação a esse tema. Primeiro,
não há nenhuma necessidade dessa situação agora. Em segundo lugar, penso que é extremamente
complexo o cenário político e econômico do País. E o sanitário mais ainda. São
cenários que merecem ser refletidos com mais vagar e com ações no sentido de
resolver os problemas mais imediatos, que é o da vacinação, principalmente. Mas
também não se pode deixar de pensar sobre a sucessão do que consideramos um
caminho para o autoritarismo, que seria um segundo governo de Jair Bolsonaro.
Estadão:
O senhor acha que a reeleição do presidente vai representar um caminho para o
autoritarismo?
Siqueira: Nós estamos a caminho, em marcha batida, do autoritarismo. Porque
você quando tem um presidente da República que prestigia grupo de extrema
direita, que prega o fechamento do Congresso Nacional, que prega o fechamento
do Supremo Tribunal Federal e ataca fortemente a liberdade de expressão… Porque
na medida em que você ataca jornais, revistas, seja de que tendência política
for, você está simplesmente negando a liberdade de imprensa. Então, é mais do
que evidente o risco do caminho autoritário. Faço a avaliação que isso foi
evitado, no primeiro momento, pela reação da Câmara dos Deputados, liderada
pelo presidente de então, o deputado Rodrigo Maia. E também pelo Supremo
Tribunal Federal e pelos três chefes das Forças Armadas. Os da ativa. Que
decidiram não pagar o preço de sua geração responder por uma nova ditadura no
País. Mas não sabemos até quando resistirão a isso.
Estadão:
O senhor está convencido desse risco?
Siqueira: Você vê, é um presidente que prega o armamento da população. O que
sabidamente não é para resolver o problema da violência. E cancela uma portaria
que dava poderes para rastrear armas roubadas do Exército. Com que sentido se
faria isso se não fosse para armar as pessoas do seu interesse? Acho que são
evidências visivelmente claras com relação ao propósito. E, diga-se de
passagem, ele não nega. Na verdade, se negasse, não iria prestigiar esses
grupos de extrema direita que vivem nas mídias sociais ameaçando todas as
pessoas, com posturas 100% antidemocráticas. Execrando pessoas públicas. Execrando
qualquer pessoa que se opõe. Outro dia, o presidente também disse que, se
dependesse dele, não vivia nesse tipo de regime. E que regime seria se não for
o democrata?
Estadão:
Como evitar isso?
Siqueira: Para superar isso, creio que é necessário que se forme uma frente
muito ampla. Com os setores mais diversificados. Envolvendo setores políticos,
econômicos, sociais. Qual é a contradição principal de hoje? Não é esquerda
versus direita. É autoritarismo versus democracia. Esse é o problema do brasileiro
hoje. Portanto, tendo clara essa leitura da realidade, é preciso que se dê
consequência a ela, juntando os diferentes setores da sociedade que defendem a
democracia para que se possa recobrar a plenitude democrática.
Estadão:
O que o senhor acha que causou esse quadro?
Siqueira: Por que nós entramos nisso? A gente precisa refletir sobre isso. Na
verdade, a eleição de Jair Bolsonaro representou o fracasso, a necrose do
sistema político eleitoral e partidário, que já não responde aos desafios do
presente. Os desafios políticos e econômicos. É por isso que nós do PSB estamos
num processo de autorreforma. Onde fazemos a crítica pública, porque também
somos parte desse sistema partidário. Cometemos os nossos erros e também
pregamos a refundação do sistema político. Com menos partidos, mais
programáticos, mais ideológicos. Inclusive, que não permita partidos de
aluguel. Como aconteceu com o partido pelo qual ele foi eleito. O PSL tinha
dois deputados na eleição anterior e chegou à Presidência da República.
Estadão:
E parece que o presidente planeja repetir esse processo…
Siqueira: Claro. Então, precisamos ter um sistema político que tenha um nível
de segurança e de defesa da própria democracia. Que não seja pego de surpresa
por uma sigla que ninguém espera que possa ter qualquer protagonismo na vida
nacional. É o que aconteceu. Eu penso, entretanto, que, lamentavelmente, a
classe política não quer se dar conta de que o sistema político faliu. Ela faz
de conta que o sistema existe, que o sistema está funcionando. E não está”.
Estadão:
O senhor fala em reunir as forças que defendem a democracia nesse movimento
contra o autoritarismo. O senhor acha fácil construir essa frente? Porque há
divergências o tempo inteiro nessas forças políticas…
Siqueira: Não é nada fácil. Isso foi demonstrado agora na eleição da Câmara, na
qual a esquerda se uniu ao centro. E veja, para apoiar o centro. Inclusive, o
contrário seria o mais natural, porque o PT é o maior partido. Ou seja, fomos
apoiar o projeto liderado pelo Rodrigo Maia, que estava num partido com 29
deputados. Nós temos 32. O PT tem 53. E fomos apoiá-los. E, no entanto, eles
próprios se desentenderam, a ponto de deixar o deputado Rodrigo Maia pendurado.
Sem ter uma saída, coitado. Então, isso aí demonstrou uma grande fragilidade do
centro político.
Estadão:
Como mudar a situação?
Siqueira: Eu penso que o sistema político está falido. E ele precisa se
refazer. Se não houver uma mobilização das forças econômicas e sociais, com
todos os partidos ainda existentes, não se faz isso. Não é simples, não é
fácil. E me impressiona que num país, que até outro dia era a décima economia
mundial, a elite não seja capaz de se movimentar para ter um projeto de
político que possa tirar o Brasil dessa vergonha. Porque o Brasil passou a ser
uma vergonha internacional. Nós estamos a ponto de ter de ser socorridos pelos
outros países para não nos tornamos uma bomba virótica para o mundo. Por pura
ignorância, negacionismo, irresponsabilidade, desumanidade. E nem assim essa
gente é capaz de se movimentar e perceber que precisa incluir na vida política
do País alguma coisa consistente? Essa elite quer ser representada por Jair
Bolsonaro? Se for assim, é o fim do mundo. A esperança começa a perecer.
Estadão:
Faz tempo que o PSB procura um outro tipo de candidato, não?
Siqueira: É uma visão. Não acho que é fácil. Nós já percebemos isso em 2018.
Por isso que tentamos convidar o Joaquim Barbosa. Porque estávamos
absolutamente convencidos de que só ganharia a eleição um outsider. E se ele
fosse candidato, o presidente da República seria ele e não Bolsonaro.
Estadão:
O senhor acha que ele teria vencido?
Siqueira: Não tenho a menor dúvida. Quando ele veio no PSB, não tinha dado
ainda nenhuma entrevista e já estava com 11% numa pesquisa, 12% em outra.
Bolsonaro já estava há um ano andando pelo País como candidato. Ciro Gomes
estava há não sei quantos anos. Geraldo Alckmin estava há não sei quanto tempo.
Ele tinha mais do que o dobro do que esses que citei. Lamentavelmente, Joaquim
Barbosa não foi candidato, porque se fosse… Ele é um homem muito difícil, mas
teria sido muito melhor do que essa tragédia que nós estamos vendo.
Estadão:
O PSB pode tentar novamente lançar um outsider? O senhor conversou com Luíza
Trajano, com Luciano Huck?
Siqueira: Eu nunca digo que conversei com ninguém. E essas conversas, se
acontecerem, só podem ser publicadas se houver alguma perspectiva. Se não, é
ruim para o partido e ruim para o interlocutor. Mas acredito que sim. Essa é
uma possibilidade. Devemos estar abertos para todas as possibilidades que sejam
capazes de enfrentar o bolsonarismo e derrotá-lo.
Estadão:
A pandemia está pesando sobre tudo…
Siqueira: Não há nada certo no Brasil, atualmente. Está tudo absolutamente na
insegurança, diante do desastre a que estamos assistindo. Ele é político,
econômico, social, sanitário. Que segurança alguém pode ter? O que o momento
está exigindo é que as elites política e econômica do País criem juízo. Pensem
no projeto para o País. Um projeto de transição de retorno à democracia. Que dê
um mínimo de estabilidade política, econômica e social ao nosso país. Essa é a
questão central. Que, pelo menos uma vez na vida, possamos colocar os
interesses do Brasil acima dos nossos interesses pessoais. Se não fizermos
isso, vamos caminhar para o autoritarismo. Eu não tenho a menor dúvida disso. O
sistema democrático se sustenta em instituições sólidas. Se elas não existem,
se estão fragilizadas, ou se estão falidas, como é o caso dos partidos, o que
podemos esperar do futuro?
Estadão:
O senhor tem conversado com outros dirigentes partidários sobre isso?
Siqueira: Tenho.
Estadão:
Qual é a reação?
Siqueira: Geralmente, não falam nada. Ficam ouvindo e não dizem nem a, nem b.
Eu fico impressionado. Parece até que estou falando algo que está fora da
órbita. Fora da realidade. Mas, enfim, me sinto na obrigação de falar. Porque
estou falando o que estou vendo, o que estou percebendo e o que está
acontecendo. Como é que você tem um sistema partidário, com partidos de
aluguel, com partidos de negócio? Com certeza, temos partidos aqui que apoiaram
o governo do Lula durante os oito anos, que apoiaram o governo Dilma, o governo
Temer e apoiam o governo Bolsonaro. Que partidos são esses, meu Deus? Onde é
que nós estamos? Como você vai apoiar governos tão diferentes? Quais são as
razões que levam a isso? Há partidos que não conseguem viver sem administrar um
bom naco do orçamento. Por que será isso? Onde é que nós vamos parar com
sistema político dessa natureza? Depois não sabem por que não conseguem ganhar
as eleições. E aí aparece um aventureiro e ganha uma eleição presidencial entre
os considerados grandes líderes políticos brasileiros.
Estadão:
O senhor prevê, então, que ainda vai haver mais dificuldades para o Brasil,
antes que as coisas melhorem…
Siqueira: No caso do Brasil, pela irresponsabilidade do governo, seu
negacionismo, sua falta de iniciativa. Poderia ter comprado 70 milhões de
vacinas da Pfizer ainda em setembro do ano passado. Nós podíamos ter começado a
vacinação com, no mínimo, 100 a 110 milhões de vacinas. E comprando
gradativamente de outros lugares. Mas o governo se negou a isso. Só depois de
muita pressão e de muito negacionismo adotou essa providência, que vai dar
resultado no segundo semestre. Imagina pelo que vamos passar até lá. Quantas
vidas serão perdidas, que é o custo que vamos pagar pela irresponsabilidade
desse governo. O Fernando Collor caiu por muito menos. A elite brasileira se
convenceu que não podia ter um presidente como Collor. E o Bolsonaro foi capaz
de transformar o Collor num estadista. Porque nunca vimos nada igual a
Bolsonaro e espero que as futuras gerações nunca vejam nada semelhante.
Fonte: PSB Nacional (entrevista exclusiva para o jornal O Estado de S. Paulo)