Lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive na política

27/01/2022 (Atualizado em 27/01/2022 | 12:05)

Foto: Mídia Ninja
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Empoderar a mulher é uma expressão que vem se tornando cada vez mais usada no país e que, se transformada em ações concretas, pode mudar o lugar das brasileiras na sociedade. O espaço da política, principalmente de tomada de decisão, precisa ser ocupado cada vez mais por mulheres. Os movimentos de mulheres, feministas, artistas e lideranças políticas há muito repetem essa afirmação como uma resposta a um Congresso majoritariamente ocupado por homens (em sua maioria de meia-idade, heterossexuais e brancos).

Vivemos um momento de vigor do feminismo, por isso não é surpresa os discursos de ódio nos últimos anos que tentam abafar as vozes das mulheres. Também não surpreende setores da sociedade insistirem que a falta de mulheres na política é uma questão de vocação e usarem a política de cota para mulheres nos partidos para fins ilícitos. Definitivamente há ainda um longo caminho, mas alguns avanços aconteceram: O Brasil instituiu o crime de feminicídio como lei em 2015 e a Lei Maria da Penha completou 12 anos. Mais mulheres vem a público denunciar seus agressores, o que prova que anos de atuação de movimentos sociais, ONGs, Estado, grupos de apoio, a sororidade entre as mulheres, estão fazendo efeito. 

Mas o que a sociedade ganharia com um Congresso mais igualitário e inclusivo? Qual é o lugar da mulher? É também na política?

A maior representatividade de minorias nas casas legislativas pode garantir políticas mais efetivas para esses grupos seria um ganho para toda a sociedade. É nisso que acredita a o corpo feminino do Legislativo brasileiro, que luta pela aprovação de leis destinadas a aumentar o número de mulheres no poder e promover uma mudança de cultura.

A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), por exemplo, apresenta em ações a sua luta pelo povo, fazendo jus ao seu lugar no mundo político. Em 2021, a socialista apresentou 38 projetos de lei, tendo 8 aprovados.

Já as deputadas federais Lídice da Mata (PSB-BA) e Liziane Bayer (PSB-RS) e a deputada estadual da Bahia Fabíola Mansur (PSB-BA) defenderam, em agosto do ano passado, a aprovação de duas matérias relacionadas à participação feminina na política. A Proposta de Emenda à Constituição n° 18, de 2021, que dispõe a destinação específica de recursos em campanhas eleitorais de mulheres, e o Projeto de Lei n° 1951, de 2021, que além de recursos, garante cota para a bancada feminina na Câmara Federal. Além disso, a parlamentares socialistas articularam a implantação de procuradorias da mulher nos legislativos estaduais.

Na época, as parlamentares socialistas entregaram uma carta ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendendo os projetos de lei.

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Atualmente, 16 Unidades Federativas já criaram Procuradorias da Mulher em suas Assembleias: Alagoas, Amapá, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo, com Procuradorias já instaladas; Rondônia e Tocantins, cujas Procuradorias estão previstas no Regimento interno das Assembleias.

O Distrito Federal também possui Procuradoria da Mulher em sua Câmara Legislativa e a Bahia aprovou o Projeto de Resolução para implantação da Procuradoria da Mulher na Assembleia Legislativa. Em âmbito municipal, 170 Câmaras instalaram Procuradorias ou têm projetos em tramitação.

Por isso, a deputada federal Lídice da Mata, que também é 2ª Procuradora Adjunta da Mulher, incentiva e implantação de Procuradorias da Mulher nos estados e municípios. “Enviamos cartas a todas as Câmaras Municipais estimulando a criação de procuradorias nos legislativos municipais para atingir a meta definida pela nossa procuradoria-geral para criar uma rede de proteção efetiva para a participação da mulher na política”, explicou.

 Na ocasião, a deputada federal Liziane Bayer (PSB-RS) destacou a participação das procuradoras estaduais. “Queremos trazer essas mulheres que estão também tentando fazer política nos seus municípios, muitas vezes com muita dificuldade”, ressaltou.

As Procuradorias da Mulher são, primordialmente, órgãos de fiscalização e monitoramento de políticas públicas voltadas a combater a violência e a discriminação contra mulheres, além de atuarem na qualificação dos debates de gênero nos Parlamentos, recebendo e encaminhando denúncias de violência e discriminação aos órgãos competentes e incentivando a participação da mulher na política.

Machismo nos espaços de poder

Em setembro de 2021, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) foi alvo de um ataque machista do ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Wagner Rosário, que a chamou de “descontrolada”. Simone, que recebeu a solidariedade de diversos colegas parlamentares, agradeceu e, na sequência, discursou sobre as mulheres no poder e o acesso por elas ao espaço público.

“Como mulher, cidadã e mãe, isso é página virada, mas como líder da bancada feminina é preciso que esse episódio venha à público pelo menos em caráter educativo. E aqui eu nem quero falar da fala infeliz que aconteceu do ministro da CGU.”
Simone Tebet

Em seguida, a senadora afirmou que o Senado se engrandeceu. “Ontem o Senado, em rede nacional, se engrandeceu, fazendo a defesa da mulher brasileira, aqui se respeita a mulher como uma igual, detentora de direitos, nem mais, mas também nem menos, iguais”, destacou Simone Tebet.

Posteriormente, a senadora explicou como, historicamente as mulheres que resolveram lutar por seus direitos e autonomia foram tratadas como “histéricas”. “É histórico que, quando a mulher resolveu sair de casa, quando a mulher se insurgiu com o fato de que para ela trabalhar fora precisava de autorização expressa do marido, que para poder casar ela precisava de autorização do pai… quando a mulher começou a buscar espaços de poder, ela começou a ser taxada de histérica, louca e descontrolada”, disse.

Além disso, a parlamentar lembrou que “até um pouco antes do século passado, nos internávamos em manicômios. Essa palavra (descontrolada) ela não vem à toa, ela está no inconsciente daqueles que ainda acham que mulheres são menores, inferiores”.

“Essa palavra nos toca fortemente. Não agridam a mulher de forma alguma. A mulher que está empoderada, que sai para o ambiente de trabalho, a servidora pública, a profissional liberal, a professora, a médica, vereadora, a senadora da república, essas mulheres, que são porta-vozes de outras mulheres: jamais digam que quando ela eleva a sua voz que ela é histérica ou descontrolada. Não, ela exerce o seu papel com firmeza, com o dever que tem de defender todas as outras mulheres que muitas vezes são oprimidas no Brasil”, finalizou a senadora Simone Tebet.

Violência política contra mulheres

A pesquisa Políticas de Saia, do Instituto Justiça de Saias, divulgou em novembro de 2021 que mais da metade da população feminina brasileira (51%) já sofreram algum tipo de violência como eleitoras, candidatas ou no exercício de um mandato.

Das entrevistadas pelo instituto, 50,3% relataram xingamentos; 35,9%, exclusão, expulsão ou restrição a espaço político; 21,6%, ameaças; 18%, ataques sexuais; 16,8%, alvo de notícias falsas; 6%, agressão física; e 7,4%, invasão nas redes sociais. 

Como consequência dessas violências, as mulheres relataram danos materiais, prejuízos financeiros e morais, perda de emprego, cortes no salários, bens destruídos e questões de saúde mental, como ansiedade e depressão.

Algumas, devido à perseguição nas redes sociais, também relataram que tiveram que excluir suas contas no ambiente virtual. Por não confiarem no Poder Judiciário, não saber onde e como denunciar ou por medo, no entanto, apenas 9,4% denunciaram os agressores.

A pesquisa foi realizada entre 8 de outubro e 22 de novembro de 2021, no formato online, com 1.194 entrevistadas. A maior parte delas é do estado de São Paulo (572 respostas, 48,3%), seguido por Minas Gerais (111, 9,4%), Rio de Janeiro (102, 8,6% ), Paraná (63, 5,3%) e Rio Grande do Sul (55, 46%). A maioria tem ensino superior completo (73,7%), filhos (60,5%) e, em  média, 42,3 anos.

Representatividade

O levantamento também mostrou que 89% das entrevistadas não se sentem representadas por homens na política, 95,4% acreditam que há uma subrepresentação feminina e 96,7% afirmam que a presença de mulheres na política traz impactos positivos no desenvolvimento de políticas públicas em prol da população feminina. Nesse sentido, a maioria (53,1%) apoia e entende que a política é um espaço para as mulheres (93,3%).

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“Não podemos nos ater a retórica de que as mulheres não se  interessam por política, os dados dizem o contrário, 62% exercem algum tipo de liderança, almejam uma transformação social, são líderes comunitárias, são empresárias, são professoras, são cidadãs com  anseio de mudança e justiça de ponta a ponta do Brasil”, afirma a promotora Gabriela Manssur, presidente do Instituto Justiça de Saias. 

Segundo dados da União Interparlamentar (UIP), o Brasil está na 142° colocação do ranking de participação de mulheres na política nacional, dentre 192 países.

Na Câmara dos Deputados, dos 513 parlamentares, apenas 77 são mulheres: apenas 15% diante de 52% que a população feminina representa no país. No Senado, dos 81 parlamentares, 12 são mulheres.

Para Gabriela Mansur, infelizmente, os resultados já eram esperados, mas a compilação desses dados, em suas palavras, são importantes para poder pleitear os direitos das mulheres na política.

“Nós precisamos mostrar para a sociedade brasileira a importância e o impacto positivo das mulheres nesses espaços. Nós temos esse espaço, esse lugar e essa legitimidade. O que me incomoda são os homens definindo os direitos das mulheres. Nós precisamos ter isso de forma democrática, coletiva”, afirmou Gabriela Mansur. 

Políticas públicas para garantir acesso das mulheres à política

Desde a 4ª Conferência Internacional das Mulheres, em Pequim (1995), a Organização das nações Unidas (ONU) recomenda a criação de políticas públicas que acelerem a participação da mulher, principalmente no Legislativo.

Países que fizeram reformas profundas nas leis eleitorais deram saltos significativos. Nessas nações, diz, há uma valorização dos partidos, onde o tratamento é igualitário.

Exemplos de reformas são países europeus e a Argentina, que teve a presença feminina no Parlamento aumentada de 10% para 37%.

Enquanto a reforma não chega, as brasileiras abraçam a tese da cota, para elevar o debate sobre a mulher na política. Em 20 anos de aplicação, a Lei de Cotas, que começou com uma previsão de 20% das vagas, já passou por aprimoramentos.

A Lei Eleitoral (Lei 9.504/1997) prevê que o total de candidatos registrados por um partido ou coligação deveria ser de, no mínimo, 30% e, no máximo, 70% de candidatos do mesmo gênero. As legendas poderiam preencher essas cotas ou não, mas nunca preenchiam e sempre favoreceram os homens. Uma alteração em 2009 garantiu que as vagas teriam que ser preenchidas.

A legislação determina ainda que os partidos destinem 5% do Fundo Partidário à formação política das mulheres e 10% do tempo de propaganda para difundir a participação feminina.

Bertha Lutz e a construção do caminho da mulher na política

O lugar da brasileira na política é uma construção de mais de um século. No dia 24 de fevereiro de 1932, foi publicado o primeiro Código Eleitoral do Brasil que eliminou as restrições, mas apenas facultou o voto às mulheres. O alistamento e o voto só passaram a ser obrigatórios definitivamente na Constituição de 1946.

Entre as personagens desse longo processo, destaca-se a bióloga e líder feminista Bertha Lutz. Ela foi companheira de bancada da primeira brasileira a votar e ser votada, Carlota Pereira de Queirós. Eleita deputada federal por São Paulo, em 1935, Carlota foi a primeira voz feminina a ser ouvida no Congresso. A chegada de Bertha ao Parlamento aconteceu um ano depois — há exatos 80 anos —, revelando a árdua jornada que se repete nos dias de hoje.

A feminista ainda teve que enfrentar calúnia dos companheiros de partido, o Autonomista, de que ela havia fraudado as eleições. Foi inocentada em fevereiro de 1935. E, finalmente, por ser primeira suplente, Bertha foi chamada a ocupar a vaga em decorrência da morte do deputado Cândido Pessoa.

Em seu primeiro discurso, no dia da posse na Câmara dos Deputados, 28 de julho de 1936, Bertha Lutz registrou a realidade daquele tempo, que permanece muito atual.

“A mulher é metade da população, a metade menos favorecida. Seu labor no lar é incessante e anônimo; seu trabalho profissional é pobremente remunerado, e as mais das vezes o seu talento é frustrado, quanto às oportunidades de desenvolvimento e expansão. É justo, pois, que nomes femininos sejam incluídos nas cédulas dos partidos e sejam sufragados pelo voto popular”, disse naquela ocasião.

Com informações da Agência Senado e Fundação Heinrich Böll

Fonte: Socialismo Criativo