Nestes tempos em que estamos
convivendo com a trágica pandemia, onde o novo coronavírus se espalhou por
todos os cantos do mundo, vemos abordarem em primeiro plano a lógica da
economia. Mais precisamente, alguns dos mantras, dogmas que se solidificaram
durante as últimas décadas no seio da visão neoliberal, agora começaram a
desmoronar.
A ideia do Estado mínimo está
inexoravelmente se esfarelando, ou já se esfarelou. Em outras palavras, o
paradigma dos neoliberais não resiste mais a nenhum pequeno sopro. Nem se pensa
mais na necessidade do rigoroso controle fiscal dos gastos públicos, que sempre
foi a proposta de ouro desses pensadores econômicos; está ruindo também
necessidade de alcance de superávits públicos, resultados esses que custaram
historicamente elevados prejuízos às populações mais pobres do país.
Nesta direção, bastou uma forte
tempestade na economia, onde os atores econômicos quase todos pararam de
funcionar e logo surgiram manifestações enfáticas dos pensadores neoliberais
capitães das grandes e mega empresas, no mundo todo, e aqui no Brasil não fomos
exceção. Não esqueçamos dos mega investidores nas bolsas de valores que também
se manifestam na mesma direção. Lógico, pois a qualquer aporte de recursos
públicos para socorro de empresas e os índices das bolsas de valores no mundo
todo sobem, e diante de qualquer outro tipo de notícia eles despencam.
Por incrível que pareça, essas
ilustres figuras do pensamento não intervencionista por parte do Estado, repito,
historicamente sempre ávidos pela não intervenção, deram uma guinada para trás.
Em resumo, bastou doer nos seus polpudos bolsos (e bolsas) e logo passaram a
clamar por uma reviravolta, em outras palavras, pela necessidade de bilionário
aporte de dinheiro público em direção ao caixa de suas empresas para socorro
dos negócios (privados).
Não há dúvidas de que é
perceptível a necessidade de socorro para manter de pé as micro e pequenas
empresas brasileiras, porque são mais vulneráveis e são elas as responsáveis
pela maioria dos postos de trabalho. Assim também, é correto garantir renda
mínima aos empregados, desempregados, trabalhadores informais e autônomos e aos
micro empreendedores individuais. O que espanta e impressiona foi a velocidade
com que os grandes empreendedores correram na carona dos pequenos. Enfim, os
neoliberais tombaram. Além da ajuda financeira robusta do Estado eles até já
falam na possibilidade de nosso país emitir moeda, atitude maldita vista por
eles até bem pouco tempo atrás.
Preciso enfatizar que não tenho
nada contra, nem entro no mérito se é certo ou errado o auxílio também às
grandes empresas. O que de fato me admira e me surpreende é que os ditos cujos
empresários sequer ficaram corados.
Neste particular, é bom enfatizar
que a necessidade de aporte de recursos por parte do Governo traz em seu bojo
um alerta, uma sinalização essencialmente para os micro e pequenos
empreendedores brasileiros adesistas de solavanco à ideia do Estado Mínimo. De
uma hora para outra estes bravos brasileiros caíram no conto da sereia dos
neoliberais da economia, e o alerta que quero aqui expressar é que, como sempre
afirmei, o Estado não deve ser mínimo nem máximo. Mesmo que respeite posições
em contrário, penso que não se deve cair na paranoia do Estado Pequeno, que só
faz bem a poucos que enriquecem cada vez mais. Não é por nada que no Brasil
pouco mais de 100 pessoas detêm uma riqueza pessoal de mais de um trilhão de
reais em suas contas bancárias.
Na realidade, o Estado precisa
ser do tamanho das necessidades do seu povo, e a pandemia nos trouxe um outro
sinal: o Estado precisa também de uma polpuda reserva de contingência para
fazer frente às necessidades causadas por calamidades inesperadas que possam
surgir, além de garantir um mínimo de renda para uma vida digna àqueles que
mais precisam. Nessa mesma direção, está desmoronando outro princípio basilar
pregado com insistência entre os economistas liberais: maximizar os dividendos
a serem distribuídos pelas empresas a seus acionistas. Assim como o Estado
brasileiro precisa de reservas, as grandes empresas também precisam da formação
de reserva de contingências formada de parte dos seus lucros, que devem ser
retidos para fazer frente às intempéries e turbulências que possam acontecer no
futuro. Não dá mais para se valer sempre e apenas da mão invisível do Estado.
Neste momento, tenho que
valorizar e reconhecer as nobres ações de muitos empresários que estão
envolvidos com atividades de combate à pandemia e de solidariedade. É sim
necessário enaltecer e aplaudir a atuação diligente destes bravos
empreendedores que, sim, têm uma visão social de seus negócios.
Não menos importante é também
registrar que a partir da distribuição de dinheiro público para socorrer
empresas privadas - cujos comandantes alegam estarem chegando ao abismo -, e a
outros cidadãos brasileiros, mesmo reconhecendo os pensamentos divergentes de
muitos, sinceramente espero que seja afastada de vez qualquer possibilidade de
críticas à distribuição de bolsa-família/e qualquer outro tipo de distribuição de renda em valores baixíssimos
aos milhões de pobres do Brasil, os quais sem estes auxílios morreriam de fome,
pois sempre estiveram à beira do mesmo abismo. É preciso acreditar que esses
auxílios fazem bem à saúde da nação brasileira.
Uma terceira via de pensamento
que aqui quero sintetizar diz respeito a outro assunto que é muito dileto aos
pensadores do capitalismo sem freios – a globalização. A Santa Globalização
empurrou goela abaixo dos cidadãos do mundo inteiro a ideia de que cada país
possa pela livre iniciativa de seus agentes econômicos produzir apenas o que
querem e que a especialização da produção em larga escala por países é o
caminho para o barateamento dos produtos e serviços e para o crescimento da
economia global. Essa proposta também está ruindo. A bem da verdade, vinga em
parte apenas o preço, porém os mal feitos se sobressaem exponencialmente.
Não é possível que nosso país, do
tamanho territorial que temos, do tamanho da população que somos, das profundas
desigualdades sociais que enfrentamos, não tenha capacidade instalada nem mesmo
para a produção de máscaras descartáveis (nem estou falando das cirúrgicas) para
enfrentamento da pandemia. São equipamentos indispensáveis para o cuidado e a
dignidade com que precisamos proteger o trabalho principalmente dos nossos
profissionais da saúde. A grande verdade é trágica: temos pouca capacidade
instalada sequer para a produção do simples pano, insumo para a produção de
máscaras, vitais neste momento.
É impensável imaginar que não tenhamos
tecnologia nem conhecimento suficientes para a produção do reagente, produto
que é básico para que o país possa fazer os testes necessários para a medição
dos infectados no Brasil. A verdade nua e crua é que não sabemos (ou poucos
sabem) adicionar à água alguns outros ingredientes para a produção dos ditos
reagentes. Na realidade estamos quebrando a cabeça em laboratório para a
produção de um reagente que ainda não sabemos se vai dar certo: um reagente
“genuinamente brasileiro”.
Nesta longa estrada também é
dramática a questão dos respiradores, que faltam aos milhares nos hospitais e em
centros de saúde em todo o território nacional. Algumas poucas empresas
brasileiras sabem, copiando, produzir quase todo o ventilador, menos uma peça
que precisam trazer de fora. Penso que ninguém de nós restaria satisfeito pela
possibilidade de morrermos “engasgados” pela falta de ar.
É imperioso referenciar que pela
globalização (não estamos sós) quase todo o mundo deixou tudo a cargo da China,
da Índia e de alguns poucos outros países com seus custos mais baixos, mas que
não nos fornecem na quantidade e qualidade que precisamos. Na verdade, nós
sabemos produzir milho, soja, carnes, ovos, além de extrair minérios fornecidos
quase de graça aos nossos clientes no exterior. Para não exagerar, sabemos
produzir alguns produtos industrializados de ponta, mas diga-se de passagem, a
maioria dos nossos produtos industrializados são de menor relevância e de pouco
valor agregado.
Partindo-se, agora, para outras
lições do legado desta triste pandemia, vamos conversar um pouco também sobre a
assistência à saúde dos brasileiros comparativamente com a de outros tantos
cidadãos do mundo. Precisamos reconhecer de plano que nosso Sistema Único de
Saúde (SUS), que é público, com seus milhares de profissionais do serviço
público, merece por parte dos brasileiros uma reverência toda especial. Os
profissionais do sistema privado brasileiro também precisam ser reconhecidos. Aqui
no Brasil, diferentemente do que acontece em muitos dos países do mundo, com as
dificuldades que apresenta, o SUS ainda é o símbolo de uma instituição
brasileira que dá certo e que garante a universalidade de atendimento para
todos. Sem ele, estaríamos fadados a simplesmente morrer sem nenhuma
assistência. E isso não é pouca coisa.
Basta um olhar atento, apenas
para exemplificar o que está acontecendo no templo sagrado do modelo capitalista
e da economia liberal de mercado, os Estados Unidos da América. Lá não tem
sistema de saúde pública e muitas pessoas, as mais pobres, estão morrendo em
casa desassistidas e sendo enterradas em valas comuns num recanto de uma ilha
qualquer. Sem assistência médica gratuita eles não têm como arcar com os custos
dos hospitais, que lá é apenas e tão somente um negócio como qualquer outro.
Nem mesmo com o sagrado direito a um enterro em uma vala em cemitério eles são
contemplados.
Por fim, vale enfatizar, que andam
nada animadoras para os liberais as suas críticas ferozes contra os serviços e
os servidores públicos. A máxima desses ilustres senhores, de que deve-se
deixar tudo para a iniciativa privada, está a fraquejar com uma velocidade
espantosa. Nesse diapasão, cada vez mais devem ser reconhecidos e valorizados os
esforços que faz esta multidão de brasileiros, homens e mulheres - os
servidores públicos -, inclusive colocando em risco as suas próprias vidas pela
saúde e pelo atendimento das necessidades básicas de todo o povo brasileiro.
São profissionais da saúde, saneamento, segurança pública, justiça, pesquisa,
ciência e tecnologia, limpeza urbana, transportes, educação, cultura,
fazendários, bombeiros dedicados a andar lado a lado com toda a população.
Enfim, são profissionais indispensáveis em qualquer momento da vida cotidiana
da nação e em especial em momentos mais difíceis.
Finalmente, as lições da pandemia
nos encaminham para uma nova regra máxima, um novo princípio fundamental ao qual
precisamos aderir. É preciso unir esforços da iniciativa privada e do setor
público, sem os ranços nem extremismos de direita e esquerda. Na mesma esteira,
é preciso juntar os preceitos do capitalismo social com as regras do socialismo
do capital para se evitar o colapso da economia. A união de todos os esforços
será a mola mestra para sairmos no futuro da crise que se avizinha.
A boa notícia é que logo mais
adiante venceremos a pandemia da COVID-19 e recuperaremos a economia brasileira
com a nitidez de vermos o que será melhor para o nosso país com a necessária
segurança jurídica, bem como com uma desapaixonada discussão sobre o tamanho do
Estado brasileiro. Os preceitos do país, no que se refere a uma adesão sem
limites à globalização, precisam ser revistos. Produtos estratégicos necessitam
de produção nacional e, nesta direção, dinheiro público em educação, ciência e
tecnologia definitivamente precisa ser considerado como investimento e não como
uma simples despesa.
Além disso, não podemos esquecer
de que os sinais da nossa economia anteriormente à epidemia em nada eram animadores.
A crise econômica que o Brasil vinha enfrentando apontava projeções para o
crescimento do PIB brasileiro num patamar pouco acima de 2% para o ano de 2020.
Tudo vai passar, fiquemos em casa
em isolamento social, pois necessitamos achatar a curva. A capacidade de leitos
nos hospitais brasileiros precisa estar suficiente para atender ao número de
infectados. Esta é a regra apregoada com insistência pela Organização Mundial
da Saúde e pelas autoridades do Ministério da Saúde da pátria Brasil.
E enquanto tudo anda, nosso presidente
da República, senhor Jair Bolsonaro, continuará receitando cloroquina!!! Fazer
o quê?!
Airto Ferronato
Vereador do PSB em Porto Alegre
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