Poderes avaliam afastar influência militar de decisões políticas

23/07/2021 (Atualizado em 23/07/2021 | 12:07)

Foto: Marcos Corrêa
Foto: Marcos Corrêa

A avaliação de que é necessário afastar a ala militar de decisões políticas cresceu em no Judiciário e no Congresso a partir do apoio ao voto impresso feito publicamente pelo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, na quinta-feira (22). A constatação já era compartilhada por líderes partidários que atuavam para ejetar o grupo militar de núcleos de articulação do governo. Agora ganhou novos contornos após militares passarem a defender uma bandeira bolsonarista. Em recentes declarações golpistas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ameaçou interditar a eleição de 2022 caso o país não adotasse o modelo de voto impresso.

A crise institucional provocada pelas falas do presidente foi agravada após reportagem do jornal  O Estado de S. Paulo afirmar que Braga Netto enviou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um recado, por meio de um interlocutor, condicionando a eleição no ano que vem à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata desse tema. O ministro da Defesa negou a versão de plano golpista, repudiado por autoridades dos Três Poderes, que se manifestaram para reafirmar a garantia do pleito em 2022.

No entanto, fez coro com Bolsonaro ao dizer que “todo cidadão deseja a maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes” e que “a discussão sobre o voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima e está sendo analisada pelo Parlamento brasileiro, a quem compete decidir sobre o tema”.

Diante da investida de militares na política, que se consolidou com a atuação de Braga Netto encampando conduta bolsonarista no cargo, a ideia de congressistas, sobretudo do centrão, é passar as rédeas do governo à política tradicional —ou, como criticava o presidente, à velha política.

Recado à ala militar

Bandeira de Bolsonaro, o voto impresso quase foi derrotado em reunião na sexta-feira (16) em uma comissão especial da Câmara, mas uma manobra de governistas adiou a votação para 5 de agosto, depois do recesso parlamentar, que vai de 18 a 31 de julho.

O sepultamento dessa proposta seria uma forma de sinalizar à ala militar mais próxima da política sobre os limites de suas atribuições, assim como a PEC que barra a participação do grupo militar da ativa em cargos da administração pública e que foi apresentada na Câmara neste mês. A nomeação do senador Ciro Nogueira (PP-PI), do centrão, ao comando da Casa Civil, conforme previsto em reforma ministerial de Bolsonaro, também é vista como estratégica nesse plano de restringir a influência dos fardados.

Ameaça de golpe militar?

Ao negar a ameaça e dizer que compete ao Parlamento decidir sobre voto impresso, Braga Netto mandou um recado indireto a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que articularam com 11 partidos um movimento contra a mudança na urna eletrônica e botaram em xeque a maioria que Bolsonaro tinha em relação ao tema na Câmara.

Na mesma nota em que trata do voto impresso, Braga Netto disse que existe no país uma tentativa de criar “uma narrativa sobre ameaças feitas por interlocutores a presidente de outro Poder” e afirmou não se comunicar com presidentes de outros Poderes por interlocutores.

“O Ministério da Defesa reitera que as Forças Armadas atuam e sempre atuarão dentro dos limites previstos na Constituição. A Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira são instituições nacionais, regulares e permanentes, comprometidas com a sociedade, com a estabilidade institucional do país e com a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro”.

Ministério da Defesa

Apesar de Braga Netto ter negado o envio do recado a Lira, políticos experimentados afirmam ver na postura do ministro e no discurso desta quinta uma tentativa de influenciar ações que não competem à pasta da Defesa. Em último caso, leem no episódio uma ameaça de golpe, que já foi externada pelo próprio presidente da República.

Grupo militar na mira do centrão

Em meio a essa crise, Braga Netto virou o “provocador-chefe da República”, na opinião de ministros do Supremo e mesmo de alguns de seus subordinados na cúpula militar. Na visão dessas autoridades, o general tem sido tão bolsonarista quanto o chefe, estimulando o clima de conflito institucional que o próprio presidente tentou abafar após ter sido admoestado pelos chefes do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) , ministro Luís Roberto Barroso.

Isso tem incomodado diversos oficiais-generais. Integrantes da cúpula do Exército e da Marinha afirmaram que a polêmica nota em resposta ao senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Pandemia que falara sobre o “lado podre” das Forças Armadas, foi uma imposição de Braga Netto aos comandantes militares.

Agora, a declaração de Braga Netto, ao ler a nota oficial da Defesa para negar a ameaça de golpe, o colocou na mira do centrão e reforçou a tese nesse grupo de que militares precisam ter freios, sobretudo porque são armados e têm quartéis nas mãos. A articulação de políticos para avançar sobre os fardados já vem provocando efeitos nos últimos meses. Foi em grande parte por pressão do centrão que o general Eduardo Pazuello deixou o Ministério da Saúde em março. Da mesma forma ocorreu a queda do general Luiz Eduardo Ramos da Casa Civil e a ida para a Secretaria Geral, pasta de menor expressão política. A saída de Ramos era uma demanda antiga do centrão.

Outros congressistas, porém, identificaram na manifestação de Braga Netto um movimento cíclico, como já visto em outros momentos no governo, em que falas mais exaltadas são seguidas por uma moderação no tom. Eles também demonstram ceticismo com a possibilidade de o presidente sacar os militares, uma forte base de sustentação do bolsonarismo, de seu governo.

Braga Netto ‘deu tiro no pé

A atuação de Braga Netto na Defesa tem sido classificada como péssima pelo centrão, STF e auxiliares de Bolsonaro. Para esses três grupos, negar ameaças golpistas o expôs ainda mais e foi tiro no pé: partidos garantem que o apoio que tinham para derrotar o voto impresso ganhou solidez e suporte popular.

Eles acham que o general tem agido de forma muito subserviente ao presidente, e alguns usam o termo “capacho” para se referir a ele.

Na conta de presidentes de legendas ouvidos pelo jornal Folha de S. Paulo, há 22 votos para derrotar a proposta da PEC do voto impresso na comissão especial da Câmara logo após o recesso parlamentar, no começo de agosto —18 já seriam suficientes para impedir a continuação da ideia.

Até o presidente em exercício do Patriota, Ovasco Resende, partido ao qual o senador Flávio Bolsonaro (RJ) está filiado, diz que “em um mundo em que todas as interações, desde sociais até profissionais, se dão cada vez mais por sistemas eletrônicos, é um retrocesso falar em voto impresso.”

Lira tem postura ambígua sobre ameaça de Braga Netto

presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também negou que teria recebido um recado do ministro da Defesa, general Braga Netto, condicionando as eleições de 2022 ao voto impresso e auditável. Ao tratar do assunto em uma rede social, o presidente da Câmara, no entanto, não desmentiu as ameaças.

“A despeito do que sai ou não na imprensa, o fato é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano. As últimas decisões do governo foram pelo reconhecimento da política e da articulação como único meio de fazer o país avançar”.

Arthur Lira

O deputado se referia à decisão de Bolsonaro de convidar o presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), para ser ministro da Casa Civil, em substituição a Ramos. Com o movimento, Bolsonaro dá mais poder ao centrão, bloco do qual Lira faz parte e que era criticado em discurso pelo presidente.

Repercussão entre autoridades

vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) ressaltou que Braga Netto negou ter enviado recados a Lira. “É lógico que vai ter eleição. Quem é que vai proibir eleição no Brasil? Por favor, gente. Nós não somos república de banana”, disse.

“Lógico [que] não [tem espaço para um regime autoritário]. Que regime autoritário? O Brasil é um país, a sociedade brasileira é complexa. Acontece que tem muita gente ainda na sociedade brasileira que está olhando pelo retrovisor; olha 50, 60 anos atrás sem entender o processo histórico que nós estamos vivendo”.

Hamilton Mourão

O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, disse ter conversado com Braga Netto e com Lira e afirmou que ambos “desmentiram, enfaticamente, qualquer episódio de ameaça às eleições”.

“Temos uma Constituição em vigor, instituições funcionando, imprensa livre e sociedade consciente e mobilizada em favor da democracia”.

Luís Roberto Barroso

Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), publicou no Twitter uma mensagem na qual afirmou que as decisões sobre o sistema político-eleitoral cabem ao Congresso e que as eleições são inegociáveis.

“Seja qual for o modelo, a realização de eleições periódicas, inclusive em 2022, não está em discussão. Isso é inegociável. Elas irão acontecer, pois são a expressão mais pura da soberania do povo​”.

Rodrigo Pacheco

Apuração de votos “secreta”

Apesar da tensão, Bolsonaro voltou a tentar desacreditar o sistema eleitoral brasileiro. Ele afirmou que não se pode admitir que “meia dúzia [de] pessoas, de forma secreta” contabilizem os votos no TSE.

​”Eu não estou acusando servidores do TSE. Eu não posso admitir que meia dúzia de pessoas tenham a chave criptográfica de tudo, e essa meia dúzia pessoas, de forma secreta, conte os votos numa sala lá do TSE. Isso não é admissível”.

Jair Bolsonaro

À noite, em live, Bolsonaro disse que “eleições são uma questão de segurança nacional”.

Fonte: Socialismo Criativo - Com informações do jornal Folha de S. Paulo