Eles são um dos fenômenos políticos do momento nos
Estados Unidos. Os socialistas democráticos (DSA, na sigla em inglês para
Socialistas Democráticos da América) passaram de 5.000 membros, em 2015, para
cerca de 100.000, em 2022, e continuam crescendo.
Eles alcançaram esse feito sendo associados a um
rótulo com a pior imagem na história política dos EUA: o socialismo.
Paradoxalmente, muito do seu crescimento se deve ao
ex-presidente republicano, Donald Trump.
"Temos visto picos no aumento das filiações:
aumentaram quando Trump ganhou a eleição, quando assumiu o cargo e,
praticamente, toda vez que o governo tomou uma decisão muito opressiva ou
incomodou muita gente nos últimos dois anos", explica à BBC News Mundo
Kristian Hernandez, copresidenta da DSA do norte do Texas.
Mas o socialismo democrático pregado pelo grupo não
é a defesa de um Estado socialista. O que essa ala mais à esquerda do Partido
Democrata propõe são medidas que regulem a economia americana de maneira
democrática, fazendo, por exemplo, as grandes empresas agirem a favor dos
interesses da população; eles também querem aumento real do salário mínimo e
melhorar a igualdade social com o Estado oferecendo saúde e educação gratuitas.
Nas últimas eleições norte-americanas, eles não
foram nomeados, no entanto, sob a sigla DSA, mas como candidatos do Partido
Democrata, em cujas eleições primárias participaram e triunfaram.
Algumas dessas vitórias causaram enorme surpresa.
É o caso, por exemplo, da latina Alexandria
Ocasio-Cortez, uma "millenial" (como são chamados os que nasceram
entre os anos 1980 e 1995) que conseguiu a candidatura por Nova York à Câmara
de Representantes.
A jovem de 28 anos se impôs a Joe Crowley, que ocupava
uma cadeira no parlamento desde 1999 e foi visto como um possível substituto de
Nancy Pelosi como porta-voz dos democratas no Congresso.
Ocasio fez campanha sem aceitar contribuições de grandes empresas, com muito ativismo social e gastando menos de um quarto do orçamento de seu concorrente. Atualmente, ela é a mulher mais jovem a ocupar um assento na Câmara dos Representantes.
O fenômeno Alexandria Ocasio-Cortez
A estratégia aplicada por Ocasio foi semelhante à do
senador Bernie Sanders durante as primárias para a candidatura presidencial
democrata em 2016. A participação de Bernie Sanders nas eleições de 2016 e 2020, nas quais tentou uma vaga para
disputar a Presidência e atraiu americanos para o Socialistas Democráticos
Isso não aconteceu por acaso. Ocasio trabalhou como
voluntária na campanha de Sanders, que sempre se apresentou como socialista
democrático, embora nunca tenha pertencido formalmente à organização DSA.
"É impossível pensar que a DSA teria chegado
aonde está hoje, se não fosse pelas candidaturas de Sanders para a nomeação
presidencial", diz à BBC News Mundo Daniel Schlozman, professor associado
de ciência política da Universidade John Hopkins.
Muitas das propostas do senador democrata, como a
ideia de oferecer um sistema universal de saúde (o Medicare for all, ou
Medicare para todos) ou de estabelecer uma educação universitária gratuita,
foram fundamentais para atrair a atenção de jovens à sua campanha - e em alguns
casos para a DSA.
"O crescimento do apoio à DSA entre os
'millennials' é o outro lado da queda da popularidade do capitalismo", diz
Schlozman.
"Esta geração teve que passar por uma recessão
muito severa causada por especulação, empréstimos bancários imprudentes e falta
de regulamentação, o que causou um enorme crescimento das dívidas com educação
universitária; e que a fez ver que seus padrões de vida não serão
automaticamente melhor do que o de seus pais; Portanto, havia uma abertura para
algo que não é o capitalismo, já que este, em muitos casos, não os
ajudou."
Visão
positiva do socialismo
Uma pesquisa do instituto Gallup divulgada em agosto
indica que, em média, 37% dos americanos têm uma imagem favorável do
socialismo, em comparação com 56% que têm uma visão mais positiva do
capitalismo.
No entanto, o estudo mostra que essa percepção muda
de acordo com a faixa etária.
Entre os entrevistados que têm entre 18 e 29 anos,
51% têm uma visão favorável do socialismo e 45% do capitalismo, que sofreu
neste grupo uma queda de 12 pontos desde 2010.
Já a avaliação do socialismo é pior entre os mais
velhos, que cresceram e viveram durante a Guerra Fria. Entre os maiores de 65
anos, apenas 28% têm uma imagem positiva do socialismo.
Schlozman acredita que o que acontece no momento é
mais a perda de atratividade da ordem estabelecida do que um claro apoio ao
socialismo.
"Também deve ser notado que há muitas pessoas
que votaram em Sanders, mas que não pertencem à DSA; são dois fenômenos separados,
mas relacionados", diz ele.
O
que é a DSA
Embora tenha se tornado um fenômeno político, a
organização DSA tem uma longa história.
"É parte de uma longa tradição socialista na vida americana, eles são descendentes do Partido Socialista dos Estados Unidos, criado no início do século 20", diz Schlozman.
A DSA foi criada na década de 1980 como resultado da
fusão de dois grupos de esquerda: o Comitê Organizador do Socialismo
Democrático (que era o herdeiro do extinto Partido Socialista dos Estados
Unidos) e o Novo Movimento Americano (uma aliança de intelectuais progressistas
com ligações com os partidos esquerdistas clássicos).
Como se trata de uma organização política, seus
candidatos geralmente não são nomeados sob suas próprias siglas.
"Há algumas exceções que são postuladas pelo
Partido Verde ou diretamente como democratas socialistas, mas, em geral,
reconhecemos que o sistema bipartidário está tão arraigado que é muito mais
fácil vencer concorrendo pelo Partido Democrata", ressalta Hernández.
"Eu acho que é uma ideia muito sábia para a DSA
concorrer sob a legenda do Partido Democrata, que - por sua vez - recebe
energia, ideias e talentos", diz ela.
Já Schlozman aponta as dificuldades em classificar a
DSA. "Eles não são um grupo de pressão tradicional, nem um partido
político, mas uma espécie de movimento social de base, eles são um pouco de
tudo", acrescenta.
Uma das principais propostas dos socialistas
democráticos é a criação de um sistema de saúde universal gratuito nos EUA
"Por um lado, há pessoas que defendem um estado
de bem-estar liberal que forneça programas públicos universais e, na outra
extremidade, tem quem deseje grandes mudanças na ordem social que não
representam qualquer reforma, mas sim o fim do capitalismo", diz ela.
O primeiro estaria mais confortável nas fileiras do
Partido Democrata, enquanto o segundo, não.
Um elemento-chave para o crescimento acelerado da
DSA tem sido a proposta de um sistema universal de saúde (o Medicare for all,
em inglês), que se tornou popular durante a campanha de Bernie Sanders.
Hernandez ressalta que, no momento, essa é a
principal questão da agenda nacional da DSA.
"Tem sido muito eficaz em mudar a forma como as
pessoas falam sobre o sistema de saúde, como percebem que ele deve ser um
direito humano e que não devemos escolher entre pagar o aluguel e comprar os
remédios de que precisamos. E percebem que o sistema de saúde é feito para
gerar lucro", fala. "Nós usamos isso como uma plataforma para falar
sobre outros problemas que as pessoas normalmente não veriam."
DSA defende sistema gratuito e universal de saúde pública
Segundo ela, a questão da saúde pública tem atraído
muita gente para a DSA, porque serve de exemplo das ideias que eles defendem.
"Antes da postulação de Sanders eu nunca tinha me considerado uma socialista", diz a jovem de 19 anos, nascida nos Estados Unidos e filha de imigrantes mexicanos.
Mas, além dos programas públicos universais
propostos, que podem ter uma grande aceitação entre grande parte do eleitorado
americano, a DSA questiona o funcionamento do próprio e fala sobre questões
como a luta de classes e o "poder da classe trabalhadora".
"Para mim não há uma grande separação entre
esses dois temas. Se você pensar, por exemplo, nas mudanças climáticas, você
percebe que sua principal causa são as corporações. Quando você faz essa
conexão, não demora muito para que perceba que o problema é o capitalismo. É
esse enorme sistema que torna quase impossível conseguir as coisas que você
precisa, habitação, água, saúde", diz Hernandez.
"Muitos de nós somos a favor dos trabalhadores serem donos dos meios de produção. E defendemos a democracia em todos os aspectos da vida. Nós não somos a favor de dar mais poder ao Estado ou para criar um Estado de bem-estar que depende do Estado, porque isso não seria uma verdadeira democracia. Os trabalhadores devem ter interferência direta em seu trabalho e na forma como as coisas são tratadas. Eu acho que é mais parecido com o que estaria vivendo sob o socialismo", acrescenta.
Schlozman, no entanto, considera essa nomenclatura inútil. "Há uma grande lacuna entre a Dinamarca e a China de Mao. Chamar de socialismo a ambas não é muito útil. Obviamente, há uma grande disparidade dentro da DSA do que são políticas essencialmente reformistas daquilo que são políticas revolucionárias", diz o professor de ciências políticas.
"O que não está claro quando você olha para as
pesquisas é quanto apoio há para o reformismo e quem apoia a revolução. Eu não
acho que muitas pessoas têm pensado sobre o que isso significa, sobre as
diferenças e aonde elas querem chegar. Eu não vi nenhuma evidência de que há
amplo apoio popular à propriedade social dos meios de produção."
Fonte: BBC